Eu não tenho nada digno o bastante para colocar em uma biografia. Sou apenas uma garota normal sentada na calçada em um dia nublado. Com os fones escapando do ouvido e um coração tão cinzento quanto o dia, eu reflito mais uma vez sobre tudo o que um dia pensei ter sido.
Eu nunca viajei para muito longe. Sempre estive a poucas horas da minha casa. Talvez venha daí minha fascinação por conhecer o outro lado do mundo. Mas nos pequenos trajetos que fiz, alguns de carro e poucos de avião, eu sempre gostei de olhar pela janela e pensar sobre todas as coisas que me faziam acreditar.
Por muito tempo era a certeza de ter alguém arquitetando a minha história. Eu sempre amei literaturas aventureiras e emocionantes, sempre amei a ideia de que alguém, com a mente criativa e o coração leve, dava destinos a tantos personagens. O quão vazio é pensar que a nossa vida não possui um roteirista? Estaríamos completamente a mercê de uma sorte inexistente e desconectada. Nada realmente teria um propósito, apenas nos encaminharíamos para o fim ao tentar encontrar um rumo.
Logo depois, a minha esperança era ser encontrada. Ser realmente vista por alguém era um dos meus grandes sonhos. E na construção das minhas idealizações, esse posto estava certamente reservado ao amor da minha vida. Ele traria o sol, as estrelas e a completude da minha existência. Afinal, como naqueles filmes que amamos, parece que toda a vida levou o protagonista àquele momento, não é mesmo? É sempre ali que as peças se encaixam.
Hoje, ao me sentar nessa calçada fria e encarar a rua vazia diante de mim, eu me pergunto o que ainda me faz acreditar. É surpreendente perceber que tanto do que a gente julga ser imutável desaparece ao olhar mais de perto. É como aquelas miragens. Você as vê de longe e parte de você acredita, mesmo quando uma voz muito insistente afirma no fundo da sua mente que é tudo mentira, tudo alucinação.
Quantas vezes você já se perguntou o quão estranho é? Eu vivo questionando a mim mesma “será que as pessoas têm esses mesmos pensamentos? ” “será que elas tocam constantemente esse tecido confuso e vago do sentido da existência humana?” “será que é mais fácil viver ao encarar tudo com simplicidade e sem tantas divagações?”
Talvez seja, provavelmente é. Mas eu acho que depois das primeiras perguntas, as próximas vêm inevitavelmente, sem pedir nenhuma licença. Para algumas teremos respostas. Em um dia de chuva, em uma oração intensa, em um abraço amigo. Para outras, seremos eternos meninos com cubos mágicos nas mãos, sempre atrás de um padrão, que talvez nem possa ser compreendido pela nossa rasa imaginação.
Aprendi que não estamos sendo preparados para encontrar alguém. O roteiro foi escrito para sermos alguém. Se eu disser que sei pontuar todas as razões que me fazem acreditar e desacreditar hoje, eu estaria mentindo. Mas posso dizer que diariamente estou aprendendo com Jesus. Em meio a desesperança do mundo, em meio a falta de ar que as maldades do homem me causam, em meio aos olhares amigos, em meio aos corações que se conectam. Há tanto sendo construído em mim e através de mim, em você e através de você. Talvez, nada seja digno de uma biografia. Mas eu espero que seja digno de uma vida com propósitos.
Que esteja escrito nas páginas da eternidade, alguém que amou e que teve fé, mesmo quando lhe faltaram motivos para acreditar, porque nunca dependeu dela e nunca foi sobre ela, mas só sobre Ele.
Imagem: Unsplash
2 Comentários
Uau, que texto intenso e profundo, xuxu. Tenho certeza que muitos vão encontrar aí as palavras que faltavam para descrever o que estão sentindo. Obrigada e parabéns pela dedicação em mostrar as suas vulnerabilidades para que elas possam ajudar alguém a não se sentir tão só.
Nossa, que linda e Franca reflexão! Concordo plenamente que enquanto não nos achamos e posicionamos no mundo, sempre vamos lançar em alguém ou algo nossas expectativas e elas em certa medida vão nos frustar!